sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Textos dos participantes da Oficina Enredos Possíveis, Sesc Belenzinho.



VESTIDA DE ESTRELAS
Autora; Ani Almeida


Rebento do céu, não minto.
De lá caí, em pranto.
Dos meus pecados, apenas sinto.
Redenção e cura ali, no manto.

As letras que compõem além dos versos foram gravadas uma a uma à mão, na borda da roupa exposta. Testamento vivo de quem já partiu desnudo, aquela peça conta mais da história de um homem do que se este pudesse fazê-lo. Uma história em detalhes para além d’As mil e uma noites.
Quando possuída pelo desejo visceral de embrenhar-se naquelas vestes, almejando a apropriação de sua própria história a partir dos fatos gravados de outrem, nada sabia a moça sobre aquele manto (sagrado na Arte), apenas sua óbvia beleza dogmatizante.
Desejava quieta e libidinosa ser possuída por aquelas vestes, adentrar em seus emaranhados e penduricalhos; fazer parte daquela trama misteriosa e imensa, densa, que muito bem desenhava a confusão da vida de cada homem e mulher.
A trama era o universo. Queria ela ser o universo. O conjunto das galáxias e brilhos dos olhares fincados em vinte quilos de tecido. Se não fosse forte o suficiente para suportar, talvez, engordaria.
Em todos os dias daquela exposição, ela fazia questão de cuidar bem do cantinho daquele pedaço sagrado de mundo. Pela manhã, pedia a benção, colhia o pó, esvaziava a lixeira. Mirara ora os detalhes do bordado, ora a ombreira. Tinha fé que seu pescoço caberia no buraco vermelho, oh se cabia! No fim do expediente transformava-se em beleza, cabelo solto, roupa elegante e maquiagem perfumada. Despia o uniforme e se acovardava toda pensando: Amanhã!
Até que a tremedeira de um frio na barriga impediu-a de tocar as vestes pagãs. E assim como veio ao mundo cortou os salões vazios por entre os corredores ocultos até estancar ofegante frente ao manto iluminado que lhe abria os braços.
Pensa ‘não sei se devo’ ao passo que estendeu a mão para tocar-lhe a face.
As pontas dos dedos reagiram aos primeiro toque com estranheza à quantidade imensa de planos e superfícies que decodificavam. As palmas das mãos tomavam para si o universo daquelas tranças, barrados e nós. Eis que o corpo inteiro quis recostar-se ao afeto incondicional do manto. Um abraço aos braços estendidos.
De repente o corpo tateia e se abaixa em direção aos barrados, o desejo é de posse. Os dedos caminham entre frente e avesso da peça, indecisos de violar-lhe os segredos.
Num estrondo moça nua e manto sagrado vão ao chão, assustados.
Não há tempo, em breve o vigia virá: ou se consuma o desejo da posse, ou inocente punição tomará.
O guarda chega arfante, de cassetete na mão. Arruma o chapéu e aperta os olhos. No chão, o manto dito santo assumiu a forma de bela mulher, em perfeição de curvas. Eis que o mundo todo cabe nela e toda a beleza do universo ali reluz. Até mesmo o belo de seu próprio ser, talvez nunca descoberto. Cobiça a beleza do manto caído, deseja possuí-la para si.


Nenhum comentário:

Postar um comentário